Entrevista do Movimento
“Malcata Pro-Futuro” ao Jornal
“Ointerior”
«Se considerarmos a eletricidade produzida
pelas eólicas e o valor da água da barragem sairão seguramente dez milhões de
euros por ano de Malcata. E o que fica disso?»
Tempo de leitura: 6 m
|
|
|
|
|
Amílcar Fernandes,
Carlos Vaz, Carlos Cacheira, Belmiro Varandas e Gilberto Pires
|
P - O movimento “Malcata Pro-Futuro”
queixou-se à Comissão Europeia contra o Estado Português e a Agência Portuguesa
do Ambiente com que argumentos?
R - Porque consideramos que a emissão da
DIA (Declaração de Impacto Ambiental), por parte da APA, para o
Sobreequipamento não atende às preocupações da população relativamente ao
ruído, não apela a alternativas, não considera os efeitos ambientais conjugados
da barragem e do parque eólico e não refere suficientes medidas de compensação
ambiental, de valorização e recuperação dos habitats, a monitorização de açudes
tradicionais que a barragem afetou, a exclusão do pastoreio, etc. A DIA não
apela ainda à necessidade de envolver minimamente as comunidades locais,
associações e proprietários. Em suma, desejamos que as autoridades ambientais
portuguesas promovam um processo de EIA (Estudo de Avaliação de Impacto
Ambiental) que, de maneira séria e completa, considere os efeitos ambientais
conjugados da barragem e do parque eólico com 19 aerogeradores, uma vez que
ambos decorreram à margem de princípios do direito comunitário.
P - Em que é que a ampliação do parque
eólico de Penamacor 3B é prejudicial à freguesia?
R - Em Malcata não é fácil encontrar
economia. A maior riqueza é o sossego, a qualidade paisagística e pouco mais.
Tudo isso está hoje comprometido com os aerogeradores e com a barragem. Para
além do ruído, os atuais 19 aerogeradores impactam enormemente na paisagem.
Consideramos que se ultrapassou mesmo o limiar da aceitabilidade... Está
irremediavelmente afetada a qualidade de vida e o bem-estar de uma população e
o futuro de uma comunidade. É uma população que tem sido completamente
desconsiderada e que assiste, com tristeza e alguma revolta, à desvalorização
considerável do valor real e potencial dos seus ativos (terras e casas, …).
Acrescente-se que assistimos a uma desvalorização progressiva da marca “Lince
da Malcata”, que poderia ser um importante instrumento de criação de valor,
porque é amplamente conhecida a nível nacional, e que tem hoje um valor
depreciado pelas eólicas. Por alguma razão a programa de reintrodução do lince
ibérico não contempla a Serra de Malcata. Gostaríamos, no entanto, de frisar
que a população de Malcata defende o desenvolvimento sustentável na sua
verdadeira aceção, ou seja, através da conciliação de aspetos ambientais,
sociais e económicos. No caso de Malcata consideramos que depois da construção
e enchimento de uma barragem, seguindo-se a construção de um parque eólico de19
aerogeradores, ambos os empreendimentos sem EIA, o desequilíbrio sobre uma
população é evidente. Há que reparar o mal que foi feito.
P - Essas queixas foram apresentadas
durante a fase de discussão pública do empreendimento e ninguém lhes deu
importância? Receberam alguma justificação para isso?
R - O movimento “Malcata Pro-futuro”
expressou-se em fase de consulta pública através da manifestação de uma posição
desfavorável, pela Junta de Freguesia, coadjuvada por um abaixo-assinado
subscrito por 61 pessoas. Fê-lo também através de uma exposição, subscrita por
43 pessoas, relativa ao Plano de Monitorização do ruído dirigida ao senhor
presidente da APA e de outra exposição ao presidente da APA, subscrita por 107
pessoas, sobre as fragilidades encontradas na Declaração de Impacto Ambiental.
O caso foi também exposto ao ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e
Energia. Mas, inexplicavelmente, o movimento não obteve qualquer resposta sobre
as anteriores iniciativas.
P - Quais são as contrapartidas concedidas
à freguesia pelo concessionário do parque eólico?
R - Desconhecemos se houve ou não houve
contrapartidas. Se as houve, elas não foram até hoje percebidas pela população.
O que sabemos é que os interessados no parque eólico são a LESTENERGIA
(produtor de energia elétrica), sobretudo a Câmara de Penamacor e residualmente
a Câmara do Sabugal, o intermediário do arrendamento dos terrenos, os
proprietários dos terrenos (que recebem migalhas). Os totalmente prejudicados
são a grande maioria dos malcatenhos em termos paisagísticos, de ruído, fauna,
flora, atividade cinegética e na desvalorização das suas casas, terrenos,
etc.…!
Estamos perante uma grande injustiça e um
grande desequilíbrio de apropriação de valor. Se considerarmos o valor da
eletricidade produzida pelas eólicas e o valor da água da barragem de fins
múltiplos (para irrigação da Cova da Beira, abastecimento de água a populações,
combate a incêndios e produção de energia elétrica), tudo somado sairão
seguramente dez milhões de euros por ano de Malcata. E o que fica disso em
Malcata? Menos de 25 mil euros anuais relativos a rendas dos terrenos que são
ainda repartidos a 50 por cento com uma intermediação arrendatária.
P - O movimento conta com o apoio da Junta
e da Câmara do Sabugal nesta ação?
R - Na reunião de 13 de dezembro de 2014,
convocada pelo movimento, foi feito o ponto de situação das atividades. A
população aclamou e apoiou o movimento. A Junta também manifestou o seu apoio.
P - Já foram abordados pelo concessionário
para resolver o assunto? Há alternativas à ampliação do parque eólico ou não?
R - Ainda não fomos abordados pela
Lestenergia. Nem é obrigatório que o sejamos. As nossas exigências e
preocupações situam-se na esfera do Ministério do Ambiente, Ordenamento do
Território e Energia. Em nosso entender existem alternativas à instalação do
sobreequipamento, como sejam, a não instalação, o armazenamento, a
relocalização para longe do agregado populacional de Malcata. Transmitimos ainda
ao senhor ministro opções técnicas alternativas que passariam pela exploração
conjunta do parque eólico, sem sobreequipamento, e da central hidroelétrica,
com efeitos equivalentes ou mesmo melhores. No fundo, a questão que se coloca é
saber por que o Estado emite uma DIA que privilegia os interesses energéticos,
desconsidera a preocupação da população, desvaloriza as componentes económicas
e sociais e que nem sequer obrigue o promotor a apresentar alternativas. Mais
ainda, isto quando os consumos de energia estão em baixa, aos níveis de 2007 e
o défice tarifário está descontrolado.
P - Até onde tencionam ir com esta ação?
R - Vamos continuar a exercer os nossos
direitos de cidadania, de indignação, manifestando-nos pacificamente, esperando
o contraditório científico e institucional do Ministério do Ambiente,
Ordenamento do Território e Energia. Temos esse direito. Ainda não surgiu até
hoje, o que lamentamos. Em última instância iremos recorrer aos tribunais.
_____________
Nota da redação: Excecionalmente, não se
publicam dados biográficos do entrevistado porque o “Malcata Pró-futuro” não
prescindiu de se apresentar como «grupo de cidadãos que decidiu constituir-se
como movimento com o exclusivo objetivo de, em conjunto, refletirem e agirem em
prol de um futuro sustentável para Malcata». Assim, a entrevista foi concedida
pela direção do movimento: Amílcar Fernandes, 69 anos, reformado; Gilberto
Pires, 71 anos, reformado; José Lucas, 67 anos, reformado; Belmiro Varandas,
71, reformado; e Carlos Cacheira, 67, reformado.
Sem comentários:
Enviar um comentário